Explicação sobre a 1ª parte do sermão do monte (Mt 5: 13-48): as bem-aventuranças, os discípulos são a luz do mundo e o sal da terra; Jesus veio para cumprir a Lei e não revogar. O homicídio, o adultério, os juramentos, a vingança e o amor ao próximo.

Explanation of the 1st part of the Sermon on the Mount (Matt. 5: 13-48): the beatitudes, the disciples are the light of the world and the salt of the earth; Jesus came to fulfill the Law and not revoke it. Murder, adultery, oaths, revenge and love for others.


O sermão do monte parte 1 – Mt 5: 13-48




Introdução

O Sermão do Monte (Sermão da Montanha) foi pregado com a intenção de mostrar o tipo de vida que os verdadeiros filhos do Reino devem levar. O tema central do sermão é o reino dos céus. O sermão traça um paralelo entre a lei do AT (e as tradições rabínicas criadas em cima dela) com a nova aliança trazida por Jesus, para fazer Seus discípulos entenderem a simplicidade e a responsabilidade dos novos parâmetros de Deus exigidos agora deles. O tema sobre as bem-aventuranças foi escrito anteriormente e se encontra em página separada, assim como o estudo do Pai-Nosso.

No início, o sermão fala das bênçãos de Deus (as bem-aventuranças) para aqueles que se vêem desprezados aos olhos dos homens, mas são recebidos e exaltados no Reino dos céus, dessa forma dando valor à importância da humildade, da misericórdia e da retidão. Depois, Jesus ensina sobre a importância de ser sal e luz no mundo, enfatizando a necessidade de ser uma influência positiva e um exemplo para os outros. Jesus conclui o capítulo 5 conclamando Seus seguidores a serem perfeitos, assim como Seu Pai celestial é perfeito. E depois segue tocando em pontos específicos da lei judaica: homicídio, adultério, juramentos, vingança, amor ao próximo, justiça, oração, esmolas, jejum, juízo precipitado, a escolha entre a vida terrena e a do céu, bem como a escolha de quem seria o verdadeiro senhor deles (Deus ou as riquezas materiais), encorajando-os a confiar na provisão de Deus e a não se preocupar com suas necessidades físicas. Jesus prossegue confirmando a necessidade e o valor da oração correta a Deus buscando a força no Espírito Santo para seguir o caminho estreito do discipulado. Também alerta contra os falsos profetas que tentariam frustrar Sua sã doutrina que está sendo pregada e termina mostrando os benefícios de construírem suas vidas sobre a doutrina de Cristo e os riscos de a edificarem sobre as falsas doutrinas.


Jesus prega no monte das Bem-Aventuranças


Mateus (Mt 4: 23–25) menciona que grandes multidões seguiam Jesus, vindo tanto de Israel (Galiléia, Jerusalém, Judéia) como das nações vizinhas (Decápolis e dalém do Jordão) para ouvi-lO e serem curadas, pois todos queriam conhecê-lO. Suas palavras tocavam as massas, mas aqui (Mt 5: 1 em diante) Ele viu a necessidade de ensinar Seus discípulos de perto, não apenas os doze apóstolos, mas todos os que acreditando nEle se tornavam Seus discípulos. E era a esses que Jesus chamava de lado para instruir. Por isso, subiu ao monte e se assentou para ensinar. Provavelmente, era uma colina bem alta no litoral norte do mar da Galiléia, que deve ter servido como um anfiteatro natural. E era normal que um mestre ficasse sentado enquanto ensinava, tendo seus alunos ao redor. Seu ensino era algo revolucionário que revogava os ensinos da tradição rabínica e mostrava ao mesmo tempo a simplicidade de Deus e a responsabilidade que Ele deixava aos Seus discípulos. As pessoas reconheceram que Jesus era diferente dos escribas porque Ele falava com autoridade. Ele sabia o que estava dizendo. Suas palavras tinham vida.

Ninguém sabe exatamente onde Jesus fez essa pregação, mas uma igreja católica romana foi construída entre 1937 e 1938 pelo arquiteto italiano Antonio Barluzzi, um pouco acima do local das ruínas de uma antiga igreja bizantina e num ponto alto perto do mar da Galiléia, e é chamada ‘Igreja das Bem-Aventuranças’. Ela tem paredes de mármore, um formato octogonal (oito lados) e vitrais na parte mais alta das paredes, onde estão desenhadas as oito bem-aventuranças proferidas por Jesus (Mt 5: 3-12; os versículos 10, 11, 12 são unidos). Vista por dentro a cúpula abobadada é alta, de cor azul e circundada por um mosaico dourado, representando o reino dos céus.

Nas imagens abaixo você pode ver o Mar da Galiléia, visto de cima do monte das bem-aventuranças (1); a ‘Igreja das Bem-Aventuranças’ (2 e 3 – vista externa); a vista interna da igreja com os vitrais e a cúpula (4 e 5).


Mar da Galileía visto do monte das Bem-Aventuranças

A Igreja das Bem-Aventuranças

A Igreja das Bem-Aventuranças

A Igreja das Bem-Aventuranças – vitrais

A Igreja das Bem-Aventuranças – cúpula

Estudo – Os discípulos, o sal da terra

• Mt 5: 13: “Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens”.

O sal tempera, dá sabor, conserva a comida e dá sede. Antigamente, sem a refrigeração que temos hoje, as pessoas usavam sal para conservar os alimentos. Salgar um pedaço de carne, por exemplo, retardava seu processo de decomposição.

Quimicamente falando, o sal não pode perder sua salinidade, pois o cloreto de sódio é um composto estável. Mas grande parte do sal nos países orientais da Antiguidade derivava de pântanos salgados e não da evaporação da água salgada e, portanto, continha muitas impurezas, pois era misturado com terra e substâncias vegetais e, dessa forma, ele se tornava insalubre. Esse tipo de sal não servia para nada, exceto para cobrir as estradas, como usamos cascalho hoje em dia, e os transeuntes pisavam sobre ele [segundo Albert Barnes, um teólogo americano presbiteriano (1798–1870)]. Entretanto, Jesus pode ter usado essa ilustração para mostrar o que é um crente inútil.

Assim, Seus seguidores acrescentam sabor à raça humana, servem como preservadores da Sua palavra e fazem as pessoas ansiarem pela justiça de Deus, descrita nos versículos anteriores nas bem-aventuranças. Vivendo as qualidades listadas nelas e em todo o sermão do monte (Mateus cap. 5, 6 e 7), os discípulos mostrariam essa realidade espiritual e os homens creriam em Jesus e seguiriam Seus passos também. Caso contrário, os homens pisariam o testemunho deles sob seus pés, ou seja, o mundo tem apenas desprezo por um crente que falha na sua posição de discípulo de Cristo. Para um cristão, perder o sabor seria perder sua singularidade, pois se misturaria com os valores do mundo e não mais faria a diferença, nem nesse mundo decaído nem no reino de Deus.

Os discípulos, a luz do mundo

• Mt 5: 14-16: “Vós sois luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire (NVI: vasilha), mas no velador (NVI: ao contrário, coloca-a no lugar apropriado), e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”.

“Cidade sobre um monte” (Mt 5: 14) – Muitas vezes construídas em calcário branco, as cidades antigas brilhavam ao sol e não podiam ser facilmente escondidas. À noite, as lamparinas a óleo dos habitantes lançavam algum brilho sobre a área circundante. Como tais cidades não poderiam ser escondidas, também é impensável acender uma lâmpada e escondê-la sob uma vasilha. Uma lâmpada é colocada em um candelabro para iluminar tudo.

“Candeia” – luchnos, λύχνος, Strong #3088: uma lâmpada portátil ou outro iluminador, vela, luz.

“Velador” – luchnia, λυχνία, Strong #3087: um candeeiro, candelabro; suporte de lâmpada. Essa palavra pode se referir a um candelabro ou um lugar escavado na parede de uma casa, onde se colocava a lamparina acesa à noite para iluminar o ambiente.

Na imagem abaixo nós podemos ver a candeia dos tempos de Jesus no seu lugar na parede da casa, o “candeeiro” ou “velador” [fonte: A vida nos tempos de Jesus 2 – Rodrigo Silva – programa Evidências (2013)].


A candeia e o candeeiro


Nós deixamos a luz brilhar, não tanto pelo que dizemos, mas pelo que fazemos. As ‘boas obras’ (Mt 5: 16) aqui se referem a obras retas e honradas diante de Deus, pois vêm dEle mesmo através do Seu Espírito em nós, e que nos levarão a praticar boas obras para com os nossos semelhantes também. Por exemplo: o uso correto dos dons que Ele derramou em nós, as Suas palavras na nossa boca e que encorajam e edificam a nós e aos outros, discernir o certo do errado e julgar corretamente as coisas e as situações que nos cercam, praticar a fé nas promessas que o Senhor nos deu e agir de acordo com essa fé; deixar o Espírito Santo fluir sem impedimento para que Ele nos use como Ele quiser e onde quiser; mostrar o caminho da salvação aos perdidos; agir diariamente como um seguidor de Jesus. Essas boas obras espalham luz e glorificam Seu nome. Quando as pessoas virem essas boas obras, em vez de dizerem ‘Como essa pessoa é boa’, glorificarão o Pai dessa pessoa, dizendo: ‘Que grande Deus essa pessoa tem’.

Jesus não veio revogar a Lei, mas cumprir

• Mt 5: 17-20: “Não penseis que vim para revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Porque vos que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus”.

v.17 – “A Lei ou os Profetas” [ou “importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24: 44)] é outra forma de se referir às Escrituras hebraicas, isto é, todo o AT. Poderíamos escrever o texto acima de Mateus (“Não penseis que vim para revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir”) da seguinte maneira: “Eu vim para cumprir o que Moisés e os profetas dizem”.

Jesus deixa claro que não veio para acabar com a Lei e os Profetas, mas para mostrar o seu verdadeiro sentido, mostrar a verdadeira vontade de Deus que está por trás dos mandamentos. A lei não foi um meio de trazer a salvação à humanidade, a justificação de Deus (Atos 13: 39; Rm 3: 20a; Gl 2: 16, 21; Gl 3: 11), mas veio para dar às pessoas o conhecimento do pecado (Rm 3: 20b; Rm 5: 20; Rm 7: 7; 1 Co 15: 56; Gl 3: 19) e então conduzi-las a Deus para Sua salvação através da Sua graça, do Seu favor imerecido sobre o homem. A lei foi dada à nação de Israel, como uma amostra da raça humana. O pecado de Israel, a culpa de Israel, era o reflexo da culpa e do pecado cometido por toda a raça humana (Rm 3: 19). A lei do pecado e da morte (Rm 8: 2) que foi decretada por Deus como uma maldição sobre o homem no momento da queda (a maldição da morte) permaneceria sobre quem desobedecesse os mandamentos da lei (Gl 3: 10). A justiça e santidade de Deus exigiam que a penalidade fosse paga. Por isso Jesus veio ao mundo: embora não tivesse pecado, Ele veio para pagar a pena através da Sua morte, substituindo os infratores culpados. Assim, Ele não deixou a lei de lado; pelo contrário, atendeu a todas às exigências dela, tanto em Sua vida como em Sua morte (Rm 8: 1-4).

Toda a Lei pode ser resumida nos Dez Mandamentos dados a Moisés. Entretanto, esses princípios são duradouros; por exemplo: é sempre errado roubar, cobiçar ou matar. O fato de Jesus ter pago o preço por nossos pecados na cruz, não significa que podemos sair por aí roubando, matando, adulterando, cobiçando as coisas dos outros. A diferença é que eles não têm mais a pena de morte de Deus anexada a eles, mas são dados e cumpridos pelos crentes de hoje com um treinamento em justiça (2 Tm 3: 16b) e por amor a um Deus que nos livrou da condenação e a quem servimos com alegria, procurando agradá-lO em tudo e nos esforçando por imitar. Nós podemos perceber que o mandamento do sábado é o único que não é mencionado no NT como uma ordenança de Jesus para os Seus discípulos. Se todos os outros mandamentos são mencionados por Jesus no sermão do monte e em outras passagens do evangelho, assim é também com o sábado de descanso e com o dízimo, ao contrário do que alguns progressistas rebeldes gostam de argumentar, que por não ser mencionado no NT não é mais necessário ser praticado. Porém, o NT (o apóstolo Paulo em especial) não deixa de falar sobre o dinheiro que é devido aos que fazem a Obra de Deus com seriedade. E um dia por semana pensando mais em Deus do que no trabalho secular para ganhar dinheiro nem precisa ser uma ordenança; é algo que nos beneficia, em todos os sentidos, não importa se sábado ou domingo.

v.18 – “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra” [NVI: “Digo a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra”; em inglês (NIV) traduzido: “nem a menor letra, nem o menor traço de uma caneta”].

“Até que o céu e a terra passem” significa “até o final dos tempos”.

“Até que tudo se cumpra” – O texto original também pode ser traduzido como: “até que se cumpra tudo o que a Lei diz”. Isso significa: todas as profecias do AT [cf. Mt 11: 13: “Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João”], ou seja, todo o propósito divino profetizado nas Escrituras deve acontecer; todos os propósitos redentores de Deus para a humanidade, e cuja realização apontam para Jesus e que se consumará no Seu reino escatológico.

“Nem um i ou um til” se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido – isso mostra a infalibilidade das Escrituras. O “i” (jota ou iota, em grego; yod, em hebraico) é a menor letra do alfabeto hebraico, assim como o “til” [“O menor traço de uma caneta”] é um minúsculo sinal que há no final de outra letra hebraica. Traduzindo isso: a revelação de Deus na bíblia não tem erro nenhum, até mesmo em seus mínimos detalhes. Ela é totalmente digna de confiança.

v.19 – “Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus”.

A expressão “estes mandamentos” provavelmente se refere aos mandamentos das Escrituras do AT. Mas como Jesus mesmo diz que Ele cumpriu a lei, “estes mandamentos” se referem ao caminho a ser obedecido, ao ensino de Jesus, que cumpre a revelação do AT. Quem negligencia Seus mandamentos e Seus ensinos e fazem outros errarem será considerado pequeno no reino dos céus, mas quem os observar e ensinar será considerado grande no Seu reino.

v.20 – “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus”. Os escribas (mestres da lei) e fariseus se contentavam com cerimônias religiosas que lhes davam uma sensação de purificação, mas esses rituais eram apenas externos; não mudavam seus corações. Eles controlaram a lei e criaram tradições de homens sobre ela, mas perderam a santidade exigida pela lei, os princípios básicos dela: justiça, misericórdia e fé (Mt 23: 23 cf. Mt 9: 13; Os 6: 6; Mq 6: 8).

Aqueles que aceitam Jesus como Salvador (2 Co 5: 21) são vistos por Deus como justos. E é essa a única justiça, a única perfeição que Ele aceita, além da justiça prática que essa fé acarreta (Mt 7: 24-27 – ‘a casa construída sobre a rocha’).

Jesus completa o que foi dito aos antigos – Do homicídio

• Mt 5: 21-26: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo”.

v.21 – “Ouvistes que foi dito aos antigos” – essa frase esse refere aos ensinamentos de vários rabinos, não aos de Moisés. Jesus estava questionando a interpretação que os mestres judeus tinham do Antigo Testamento.

Eles sabiam que o assassinato era proibido por Deus e que o assassino era passível de punição (julgamento) e se orgulhavam de nunca ter cometido assassinato. Aliás, antes da lei ser dada a Moisés, desde que Noé saiu da arca, Deus já havia falado sobre isso (Gn 9: 6: “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem”). Depois, essa ordem divina foi incorporada à lei (Êx 20: 13; Dt 5: 17 – “Não matarás”).

Então, Jesus complementa com as palavras: “Mas eu vos digo” ou “Eu, porém, vos digo”, o que significa que uma pessoa não podia mais se orgulhar de nunca ter cometido um assassinato, porém, que no reino de Deus, ela não deveria sequer ter pensamentos ‘assassinos’, ou seja, Ele toca na raiz do assassinato, que começava com a raiva, aliás, com três formas de raiva não justificada:

v.22 – “Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento” – seu irmão: também um seguidor de Cristo. Não se deve ficar irado com um irmão sem motivo, ou seja, por erros pessoais. Esse ato pode levar alguém a um julgamento. A raiva só é justificada quando a honra de Deus está em jogo ou quando alguém está sendo injustiçado.

Irar’ neste texto, em grego, é orgizó (Strong #3710 – ὀργίζω), que significa: irritar, provocar, ficar com raiva; e se origina do verbo ‘orge’: provocar ou enfurecer, ou seja, (passivamente) ficar exasperado; ficar com raiva (ira).

“... e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal;...” – é pecado um insulto a um irmão. ‘Insulto’, em grego: ῥακά (rhaka – Strong #G4469) significa: vazio, tolo, sem valor (como um termo de difamação total). É a transliteração da palavra aramaica rōq (de origem caldéia ‘reyq’ רֵק – Strong #H7386), que significa: vazio, vão, inútil, mais especificamente, ‘cabeça vazia’. Este termo expressava desprezo pela cabeça de um homem, vendo-o como um ‘estúpido’ que age de forma presunçosa e impensada. Era um termo de reprovação usado pelos judeus no tempo de Jesus, como uma palavra de desprezo e abuso. Jesus disse que aqueles que usavam essa palavra estavam em risco de julgamento pelo Sinédrio, a mais alta corte do país, por difamação.

“... e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo” – a terceira forma de ira injusta mencionada por Jesus era chamar o irmão de ‘tolo’ (móros, μωρός – Strong #G3474), que significa: estúpido, tolo (adj.), tolo ou tolice (subst..), provavelmente originado da palavra grega ‘musterion’: enfadonho ou estúpido (como se estivesse calado), desatento (mostrando uma falta imprudente de cuidado ou atenção), estúpido, ‘cabeça dura’. Aqui, a palavra ‘tolo’ significa mais do que apenas um ‘burro’. Significa um tolo moral que deveria estar morto e expressa o desejo de que ele estivesse. É como se a pessoa lhe dissesse: “Deus amaldiçoe você!”, o que sugere que a pessoa que diz isso está pedindo a Deus que entregue o amaldiçoado ao inferno. Então, Jesus disse que aquele que proferir tal maldição corre o risco do fogo do inferno. Em outras palavras, a difamação de alguém levaria o agente da difamação a uma situação ruim no dia do juízo. ‘Inferno’ neste texto, em grego é geenna (γέεννα – Strong #1067), originalmente o nome de um vale ou cavidade perto de Jerusalém, um lugar debaixo da terra, um lugar de punição para o mal. O nome é de origem hebraica ‘Ge-Hinom’ (vale do filho de Hinom) ou Gehenna, usado figurativamente como um nome para o lugar ou estado de punição eterna. Os corpos de criminosos executados eram freqüentemente jogados em um lixão em chamas fora de Jerusalém, conhecido como Vale de Hinom ou Geena. Esta era uma figura do fogo do inferno que nunca será apagado.

A raiva contém as sementes do assassinato, a linguagem abusiva contém o espírito do assassinato e a maldição implica o próprio desejo de matar. O progressivo agravamento dos crimes exige três graus de punição: o julgamento, o concílio (Sinédrio) e o fogo do inferno. No Dia do Juízo, Jesus lidará com os pecados de acordo com a severidade.

v.23-24 – “Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta”.

Se uma pessoa ofende a outra (a bíblia escreve ‘irmão’, um seguidor de Cristo também), seja por raiva ou por qualquer outra causa, não adianta trazer uma oferta a Deus, pois isso não Lhe agrada. O ofensor deve primeiro ir e corrigir o que está errado. Só então a oferta será aceitável ao Senhor. E aqui, o Senhor já não fala mais da raiva de uma pessoa que foi provocada por outra, mas da ofensa daquela que provocou o rancor do irmão (v. 23-24) ou do adversário (v. 25-26).

v.25-26 – “Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo”.

Agora, Jesus pede pressa para resolver as questões com um adversário ofendido enquanto ainda está ‘com ele a caminho’ para o tribunal. No mundo antigo, os devedores eram presos até que as dívidas fossem pagas. Por isso, o Senhor insiste na ação imediata: a ira maliciosa é tão maligna e o julgamento de Deus tão certo (v. 22) que devemos fazer tudo ao nosso alcance para acabar com ela (cf. Ef 4: 26-27).

Jesus completa o que foi dito aos antigos – Do adultério

• Mt 5: 27-32: “Ouvistes o que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura no coração, já adulterou com ela. Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o diante de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno. Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério”.

v.27-30: “Ouvistes o que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura no coração, já adulterou com ela. Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o diante de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno”.

Em linguagem figurada neste texto, Jesus aconselha que seja tirada toda tentação do mal (‘arranca’, ‘corta’, ‘lança fora’), não importa o quanto isso custe. E a tentação na maior parte das vezes começa com o olhar, que desperta a cobiça: “Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura no coração, já adulterou com ela” (v.28). Ele menciona os ‘olhos’ e o ‘coração’.

Por isso, no AT, ao falar do Talit, do manto de oração, o Senhor menciona dois órgãos importantes do corpo humano, como geradores do pecado: o coração e os olhos [Nm 15: 37-41: “Disse o Senhor a Moisés: Fala aos filhos de Israel e dize-lhes que nos cantos das suas vestes façam borlas (franjas) pelas suas gerações; e as borlas em cada canto, presas por um cordão azul. E as borlas estarão ali para que, vendo-as, vos lembreis de todos os mandamentos do Senhor e os cumprais; não seguireis os desejos do vosso coração, nem os dos vossos olhos, após os quais andais adulterando, para que vos lembreis de todos os meus mandamentos, e os cumprais, e santos sereis a vosso Deus. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito, para vos ser por Deus. Eu sou o Senhor, vosso Deus”].

O olho, no conceito judaico da Antiguidade, era uma ‘porta’ por onde as coisas materiais vinham para a vida da pessoa, pois o que ela desejasse com os olhos ela teria. O olho gerava o desejo, e o coração arquitetava o plano para torná-lo uma realidade. O coração é a sede da sabedoria, o centro da decisão moral e intelectual. Por isso Jesus disse: “qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura no coração, já adulterou com ela”.

Por que o olho direito e não o esquerdo? Por que a mão direita e não a esquerda? Porque o lado direito, segundo a visão da psicologia, corresponde ao lado racional, assertivo, ativo, masculino, com impulso para agir. O lado esquerdo é o lado emocional, receptivo, passivo, moderado, feminino. Assim, era necessário um esforço para dominar a força da tentação, que muitas vezes é forte, dominante, impulsiva e insistente.

Sob a ótica bíblica, o lado direito é símbolo de bênção, força, privilégio, honra, poder, autoridade, o lado de Deus, enquanto a lado esquerdo é o lado humano, finito.

A advertência sobre o inferno (v. 22 e 29) nos mostra que aqueles cujo estilo de vida é marcado pela imoralidade não são herdeiros do Reino (1 Co 6: 9-10). Cortar ou arrancar a parte ofensiva é uma forma de dizer que os discípulos de Jesus devem lidar radicalmente com o pecado visando a um bem maior, que é a vida eterna (Mt 18: 8-9; Mc 9: 43-47).

v.31-32 – “Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério”.

“Também foi dito” é um resumo de Dt 24: 1-4. A partir do certificado de divórcio não havia como voltar atrás; por isso, seria correto pensar antes de entregar a certidão. Mas o ensino dos rabinos era que a pessoa podia se divorciar, desde que desse uma certidão de divórcio. O ditado era: ‘Você pode se divorciar, desde que dê uma certidão de divórcio’. A lei dizia que essa certidão ou carta de divórcio deveria ser dada se o homem, ao casar com uma mulher, encontrasse ‘coisa indecente nela’ (ARA), onde ‘coisa indecente’ ou ‘impureza’ (KJV), era escrito em hebraico como ‘ervah’ (Strong #6172), que significa: nudez, vergonha, impuro, impureza e, resumidamente, se referia à falta de virgindade [fornicação durante o período de noivado, por exemplo], pois se esperava que a noiva fosse virgem.

A palavra ‘repudiar’ neste texto é apoluó (ἀπολύω – Strong #630), que significa: liberar, soltar, mandar embora, livrar-se, deixar partir, deixar ir, dispensar, pôr em liberdade. A palavra ‘divórcio’, em grego é: apostasion, ἀποστάσιον, Strong #647, que significa: repúdio, divórcio, carta de divórcio.

Mas Jesus disse: “Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério”.

“Relações sexuais ilícitas” – na KJV é fornicação; na NVI, imoralidade sexual; na NIV é traduzida como infidelidade conjugal. O grego escreve πορνεία, porneia, Strong #4202, um termo genérico para práticas sexuais ilícitas, que pode ser fornicação, prostituição, adultério etc.

Assim, se um homem repudiasse sua mulher por infidelidade conjugal, ele deveria lhe dar uma carta de divórcio. Isso significava, segundo a lei, que não haveria como voltar atrás. Mas se ele a repudiasse por outra causa, ele a expunha a tornar-se adúltera; e aquele que casasse com a repudiada estaria cometendo adultério, pois na verdade não haveria uma boa razão para a separação e eles continuariam casados aos olhos de Deus. O relacionamento com outra pessoa seria considerado adultério (moichaó, μοιχάομαι, Strong #3429).

Jesus completa o que foi dito aos antigos – Dos juramentos

• Mt 5: 33-37: “Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso (Lv 19: 12 – não jurar falso pelo nome de Deus), mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os seus juramentos. Eu, porém, vos digo: de modo nenhum jureis, nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno” (cf. Tg 5: 12).

Lv 19: 12 diz: “nem jurareis falso pelo meu nome, pois profanaríeis o nome do vosso Deus. Eu sou o Senhor”. Um juramento falso é um juramento que não é mantido consciente ou inconscientemente. O resumo de Lv 19: 12 é: “Não quebre a sua promessa”. Mas confronte agora esse versículo com cf. Nm 30: 2; Dt 23: 21. Aqui, trata-se de um voto ou juramento feito ao Senhor, não em nome dEle como em Lv 19: 12.

Mas Jesus disse: “De modo nenhum jureis” (v.34), ou seja, não jurar por nada, nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; porque Deus fez todas as coisas e quem jura por elas, está indiretamente jurando por Ele. Em outras palavras, o céu (Mt 23: 22; Is 66: 1), a terra (Is 66: 1) ou Jerusalém (Sl 48: 2) são apenas nomes diferentes para o nome de Deus. E isso não deveria ser usado como garantia de uma promessa ou de uma palavra declarada a alguém. Tais juramentos demonstram que as palavras da pessoa não são confiáveis e, então, precisa jurar em nome de alguém, de alguma coisa ou do próprio Deus. Isso se refere aos juramentos que pessoas costumam fazer em conversas normais, não em juramentos oficiais num tribunal ou corte de justiça, por exemplo.

“Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno” (Mt 5: 37). Para os seguidores de Jesus basta dizer “sim” ou “não” e nada mais (Tg 5: 12), pois falam sempre a verdade (cf. Lv 19: 11: “Não furtareis, nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo”). Esta passagem também proíbe qualquer engano ou sombra em torno da verdade (“O que disto passar”, ou seja “o talvez”), pois a dúvida e o engano procedem do diabo.

Jesus completa o que foi dito aos antigos – Da vingança

• Mt 5: 38-42 (Lc 6: 27-30): “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. 39 Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; 40 e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. 41 Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. 42 Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes” – cf. Lv 19: 18: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” e Dt 32: 35: “A mim me pertence a vingança, a retribuição, a seu tempo, quando resvalar o seu pé; porque o dia da sua calamidade está próximo, e o seu destino se apressa em chegar”.

Este trecho se refere à vingança e podemos ver que a medida de Deus é diferente da do homem:

• Mt 5: 38: “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente”. Esse item colocado na lei, acerca da violência, era conhecido como ‘lex talionis’, ‘a lei de talião’ ou ‘da retaliação’. ‘Talione’ significa ‘tal qual’.
• Êx 21: 23-25: “23 Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, 24 olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, 25 queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe”.
• Lv 24: 19-21: “19 Se alguém causar defeito em seu próximo, como ele fez, assim lhe será feito: 20 fratura por fratura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado a algum homem, assim se lhe fará. 21 Quem matar um animal restituirá outro; quem matar um homem será morto”.
• Dt 19: 21 (no caso de testemunha falsa contra um irmão): “Não o olharás com piedade: vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé”.

A lei de talião não foi criada para encorajar a vingança. Seu objetivo era impedir que o castigo fosse pior do que o crime. Em outras palavras: punia o crime e limitava a punição, e a autoridade para fazer isso era atribuída ao governo (os juízes, os anciãos que julgavam as causas), não ao indivíduo que havia sido prejudicado.

“Eu, porém, vos digo” (v.39) – Jesus mostra um caminho melhor, o caminho do amor, deixando a vingança e a justa retribuição nas mãos de Deus. E isso, também alargava o coração e a maneira de pensar daquele povo (e a nossa também), resolvendo simples e amigavelmente muitas situações, com atitudes compassivas e cordiais para com os necessitados; conseqüentemente, fechando as brechas para a destruição de Satanás. Enquanto a vingança era legalmente permitida, a não-resistência era possível através da graça de Deus. Assim, Jesus ensinava a verdadeira atitude de um servo (inclusive para com os que o maltratam) e apresentou esse ensinamento de várias formas: ataques físicos (Mt 5: 39), assuntos legais (Mt 5: 40), questões civis (Mt 5: 41) e pedidos de empréstimo (Mt 5: 42). Somente quando uma pessoa é controlada pelo Espírito Santo ela pode viver uma vida de abnegação, se sentindo compensada pelo amor de Deus em maior proporção do que o insulto (v. 39), a injustiça (v. 40), a inconveniência (v. 41) e a doação voluntária de bens materiais.

v.39: “Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra”.
Ferir, aqui, não resume apenas a um golpe físico para causar ferimento, mas também a um insulto grosseiro. Um tapa no rosto era um grande insulto para um judeu, como ainda o é hoje para qualquer pessoa, especialmente um servo de Deus. E o mesmo ocorre com todo tipo de agressão física ou moral, através de insultos e afrontas, simplesmente por seguirmos a Jesus. O ensinamento aqui era o contrário da lei de talião. Mas para um discípulo chegar ao ponto de Jesus, de sofrer o que sofreu nas mãos dos romanos sem revidar (cf. 2 Co 11: 20), é necessária uma capacitação do Espírito Santo e um entendimento maior da recompensa divina com essa atitude. Acho pertinente aqui um comentário para que não haja confusão de interpretação. Jesus não estava ensinando sadomasoquismo ou submissão ao abuso, e sim uma atitude coerente e consciente por parte de um discípulo. Uma pessoa que tem a convicção da sua posição moral e do chamado de Deus para ela é menos passível de agir na carne, devolvendo a ofensa no mesmo nível físico, moral ou espiritual, mesmo porque ela sabe que tem um defensor, um advogado maior no céu. É como se ela recebesse um tapa, mas dissesse ao seu agressor: “Tudo bem. Se me bater ou me humilhar o faz feliz ou se você acha que isso resolve o problema, bata de novo, mas não abro mão da minha maneira de pensar nem vou negar minha fé nem meu posicionamento neste assunto”. Então, não é uma atitude passiva de quem aceita e se conforma com a agressão com a desculpa de estar agradando a Deus, mas uma atitude passiva consciente de não resistência e não vingança pessoal por parte de uma pessoa que sabe qual é a vontade e a força do Espírito Santo dentro dela. Em resumo: este versículo fala sobre não revidar, não se vingar; deixar isso nas mãos de Deus.

v.40: “e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa”.
Nenhum judeu do primeiro século iria para casa vestindo apenas uma tanga. A túnica era uma vestimenta interna; e a capa, uma vestimenta externa, também usada para se cobrir à noite. Sob a lei mosaica o manto exterior era um bem intransferível. Caso fosse tomado emprestado, deveria ser devolvido antes do pôr do sol (Ex 22: 26; Dt 24: 13). Jesus não estava revogando esta lei nem justificando o culpado de fazer uma coisa dessa, mas era um ensinamento simbólico sobre pleitos e disputas legais. E mesmo que Seus discípulos tivessem que entrar numa demanda legal por sua vestimenta interna, seria melhor dar também a externa, ao invés de ficar preso a uma situação indesejável e desgastante por algo que aos olhos de Deus não tinha tanto valor e poderia ser restituído por Ele facilmente, sem que os Seus tivessem que depender dos recursos carnais e mundanos para resolver disputas. Mais uma vez, devemos ressaltar que não somos obrigados a desistir de causas legais que são nossas por direito, mas ‘pesar na balança’ os riscos e benefícios de uma ação dessas, para não perdermos nosso precioso tempo e ficarmos presos nas tramas do inimigo por coisas da terra, ao invés de usá-lo para as coisas de Deus. Resumindo: este versículo fala sobre não pleitear, não disputar.

v.41: “Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas”.
Aqui o Senhor aborda as questões civis, não mais assuntos legais. Os romanos podiam comandar civis para carregar sua bagagem (suas mochilas) pela distância de até uma milha romana, aproximadamente 1.479 metros (a milha americana corresponde a 1609 metros). E isso provocava indignação por parte dos judeus, com uma atitude rancorosa e até vingativa. Era uma atitude de ‘servidão forçada’, porém Jesus falava aos Seus discípulos para andar além de uma milha; duas milhas se necessário, pois para os filhos do Reino a disposição ao serviço de quem quer que seja deveria ser encarada não como uma atitude de humilhação e sim de exaltação. O próprio Jesus disse que no Seu reino, o maior é como quem serve, e que Ele não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Isso não significava se submeter a abuso, como no primeiro exemplo que foi dado, mas um serviço voluntário, como que feito para o Senhor (Cl 3: 23-25), pois Ele mesmo impõe os limites. Em resumo: não ser mesquinho, aprender a servir.

v.42: “Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes”. Isso se refere aos pedidos de empréstimo sem juros. A lei falava sobre emprestar dinheiro sem juros aos irmãos e cobrar juros dos estrangeiros (Ex 22: 25; Lv 25: 35-38; Dt 23: 19-20):

• Ex 22: 25: “Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como credor que impõe juros”.
• Lv 25: 35-38: “Se teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então, sustentá-lo-ás. Como estrangeiro e peregrino ele viverá contigo. Não receberás dele juros nem ganho; teme, porém, ao teu Deus, para que teu irmão viva contigo. Não lhe darás teu dinheiro com juros, nem lhe darás o teu mantimento por causa de lucro. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito, para vos dar a terra de Canaã e para ser o vosso Deus”.
• Dt 23: 19-20: “A teu irmão não emprestarás com juros, seja dinheiro, seja comida ou qualquer coisa que é costume se emprestar com juros. Ao estrangeiro emprestarás com juros, porém a teu irmão não emprestarás com juros, para que o Senhor, teu Deus, te abençoe em todos os teus empreendimentos na terra a qual passas a possuir”.

Mas Jesus foi mais além, lembrando-os não apenas empréstimos sem juros, mas um espírito generoso (cf. Sl 37: 26; Sl 112: 5; Dt 15: 7-11: emprestar ao irmão pobre, sem ter o coração mesquinho de esperar pelo ano da remissão). Nesse exemplo de Jesus, a pessoa pediu com sinceridade, não com engano ou malícia, e não pode devolver o que levou; então, deve-se dar uma liberação, não cobrar juros; nem mesmo esperar de volta o que emprestou, pois a pessoa não tem como pagar. Em resumo: não se omitir diante de um pedido genuíno de socorro de um irmão em Cristo, de alguém próximo, até mesmo de alguém que não se conhece tão profundamente, mas que, num grande momento de aflição e necessidade, vem pedir uma ajuda financeira.

Mais uma vez aqui entra a participação ativa do Espírito Santo de Deus, tanto no ato de doação livre por parte do filho de Deus e na sua sensibilidade para perceber uma real necessidade, ao invés de ser enganado ou roubado. Entretanto, ainda que sendo o servo de Deus enganado sem saber, o controle de tudo permanecerá nas mãos dEle e Sua justiça será imparcial, mesmo porque o título deste trecho fala dos ensinamentos de Jesus sobre a vingança. E o Senhor não está obrigando Seus discípulos a dar infinitas quantias de dinheiro a quem quer que seja, simplesmente porque os que abusam gostam de ganhar sem trabalhar ou usam a astúcia da chantagem emocional.

Jesus completa o que foi dito aos antigos – Do amor ao próximo

• Mt 5: 43-48: “Ouviste o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele fez nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”.

“Ouviste o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” (Mt 5: 43) – na verdade, a segunda parte do versículo não estava escrita na lei. Em Lv 19: 18 está escrito: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor”.

“Odiarás o teu inimigo” parece ter sido a forma popular de citar o mandamento ou um ensinamento rabínico da época. A visão do AT em relação aos que perseguiam o povo de Deus gerava uma atitude de hostilidade. Davi mesmo havia escrito: “Não aborreço eu, Senhor, os que te aborrecem? E não abomino os que contra ti se levantam? Aborreço-os com ódio consumado; para mim são inimigos de fato” (Sl 139: 21-22). Mesmo porque as orientações de Deus contra todos os inimigos de Israel no AT, desde Abraão (a profecia de Deus contra as nações cananitas – Gn 15: 18), desde a saída do Egito e a entrada na terra de Canaã eram para destruir completamente os povos pagãos para não contaminarem Seu povo com a idolatria (Êx 34: 11-17; Lv 19: 31; Lv 26: 6-7; Nm 33: 51-52). Amaleque foi um exemplo disso (Dt 25: 19; 1 Sm 15: 2-3).

Como em Lv 19: 18 está escrito: “amarás o teu próximo como a ti mesmo”, a conclusão natural para muitos judeus era que poderiam odiar seu inimigo.

v.44 – “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” – Jesus, então, removeu totalmente esse pensamento, dizendo a eles para amar também os inimigos e orarem pelos que os perseguiam. Fazer isso era um simples reflexo do caráter de seu Pai celestial (v.45; 48): “para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele fez nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos... Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”.

Deus não mostrava bondade apenas ao Seu povo escolhido; mostrava também para com outros povos, como o faz ainda hoje para aqueles que ainda não são Seus. Ele estende a graça comum a todos, o que significa que há certas bênçãos que Ele dá a todas as pessoas, como as bênçãos naturais da natureza (o sol, o ar, a água, o alimento).

Os discípulos de Jesus deveriam ser diferentes dos ímpios sob esse aspecto, ou seja, não deveriam amar apenas os irmãos na fé ou as pessoas próximas que eles gostavam naturalmente, mas também os gentios, que os judeus repudiavam como, por exemplo, os romanos que os dominavam e perseguiam. No poder do Espírito Santo isso seria possível, pois Ele os ajudaria a pensar de outra forma, buscando os melhores interesses dos gentios e ímpios, como um reflexo do caráter de Deus, buscando igualmente o seu bem-estar, a sua salvação e até sentindo outro tipo de sentimento por eles, que não o ódio ou a repulsa; talvez, um sentimento de compaixão por outro ser humano também passível de pecado e necessitando de luz e intervenção de Deus e de uma ‘segunda chance’; ou então, uma compreensão de que mesmo se tratando de alguém perverso, Deus não criou um ser humano para o sofrimento ou para perecer de maneira tão atroz nas mãos do diabo. Em resumo, na força de Deus, desejar para um inimigo a mesma coisa que Deus deu para nós.

O tipo de amor que Jesus fala aqui é algo diferente e maior do que a simples afeição natural da carne humana, porque não é natural amar alguém que uma pessoa odeia e lhe faz mal. É o tipo de amor demonstrado por Jesus na cruz por toda a humanidade, o amor de Deus, o ágape, o amor divino de doação e entrega, sem favoritismo, sem acepção de pessoas, sem levar em conta as afinidades humanas naturais. Amar apenas os que nos amam não requer o poder divino, pois até os publicanos e gentios faziam o mesmo para os que eram semelhantes a eles, por isso, qual era a recompensa deles diante de Deus?

A salvação só pode vir através da graça de Deus, não por boas obras, porém, como efeito dessa salvação pela graça é que os salvos conseguem realizar boas obras, tal como amar pessoas fora do seu relacionamento próximo.

Ao praticar as palavras de Jesus até aqui (Mt 5: 17-47), eles seriam perfeitos como perfeito é o nosso Pai celeste. Interessante que no AT Deus sempre os chamou à santidade, à separação da idolatria dos povos pagãos, e isso Ele chamava ‘perfeição’ (Lv 11: 45; Lv 20: 26; Dt 18: 13). Neste contexto, o Senhor chama ‘perfeição’ à maturidade do amor de que Jesus estava falando, à maturidade espiritual que capacita um cristão a imitar a Deus ao dispensar bênçãos a todos sem parcialidade.

Este texto se encontra no anexo:


O sermão do monte

O sermão do monte (PDF)

The sermon on the mount (PDF)



Autora: Pastora Tânia Cristina Giachetti

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