Estudo sobre a cura de um paralítico no tanque de Betesda. Quais os aprendizados com esse texto? Uma reflexão espiritual e informações históricas e arqueológicas
Nota: Esse estudo foi escrito por volta de 2010-2011 com outro propósito, outra unção, extraindo o aprendizado para nós. Mas agora em 2025 eu descobri outras informações que acho importantes de serem acrescentadas ao texto.
“1 Passadas estas coisas [João se referia à cura do servo do centurião: “O filho de um oficial do rei”, que foi o segundo sinal depois de Jesus voltar da Judéia para a Galiléia – Jo 4: 54], havia uma festa dos judeus, e Jesus subiu para Jerusalém. 2 Ora, existe ali, junto à Porta das Ovelhas, um tanque, chamado em hebraico, Betesda, o qual tem cinco pavilhões. 3 Nestes, jazia uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos 4 [esperando que se movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo tempo, agitando-a; e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse]. 5 Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. 6 Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado? 7 Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim. 8 Então, lhe disse Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. 9 Imediatamente, o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a andar. E aquele dia era sábado. 10 Por isso, disseram os judeus ao que fora curado: Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o leito. 11 Ao que ele lhes respondeu: o mesmo que me curou me disse: Toma o teu leito e anda. 12 Perguntaram-lhe eles: Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito e anda? 13 Mas o que fora curado não sabia quem era; porque Jesus se havia retirado, por haver muita gente naquele lugar. 14 Mais tarde, Jesus o encontrou no templo e lhe disse: Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior. 15 O homem retirou-se e disse aos judeus que fora Jesus quem o havia curado. 16 E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado. 17 Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também. 18 Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5: 1-18).
1) Quando estamos enfermos, seja do corpo, da alma ou do espírito, devemos buscar um lugar onde a misericórdia de Deus possa fluir e nos tocar com cura; e o melhor lugar para se conseguir isso é, teoricamente, na Casa de Deus. Betesda, em hebraico, significa ‘Casa de Misericórdia’. O homem paralítico tinha fé para ser curado, por isso foi buscar auxílio no lugar certo, entretanto, parecia não haver misericórdia ali e sim uma competição entre todos aqueles que precisavam de ajuda. Era “cada um por si e Deus por todos”; ninguém parecia querer ajudar um ao outro para ser curado também, mesmo porque apenas o primeiro que chegasse às águas era abençoado. Muitos cogitam que Jesus curou apenas esse paralítico porque só ele tinha fé verdadeira para ser curado, mas, se os outros não acreditassem que as águas os curariam, não estariam disputando tanto a cura através dela. Portanto, a fé não era o ponto crucial que fez Jesus curar apenas esse homem. Talvez, o que mais chamou sua atenção foi sua humildade, paciência e perseverança em exercitar sua fé por tantos anos ou por ser o único ali que, pela própria condição de fraqueza, tinha matado o espírito competitivo da carne dentro de si. Pode ser que só ele soubesse esperar em Deus ou, por outro lado, já estivesse tão desesperançado de alma que não cria mais na cura por causa do grande obstáculo que via diante dos seus olhos: a multidão. Portanto, a fé é um ponto de interrogação no caso deste milagre de Jesus em Betesda. Seja como for, ele estava ali e era necessitado. Jesus passou e teve misericórdia dele. Ele foi o único que exerceu a misericórdia para com o paralítico que ali estava; não homens. Ninguém jamais o ajudou a chegar às águas. Outro pensamento que nos passa pela cabeça é que o seu caso poderia não ser tão simples, apenas físico, porém precisava de um toque mais profundo de Deus, pois a doença era na alma e no espírito e o homem necessitava do perdão divino (Jesus disse: “olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior”). Quem sabe, o Senhor tivesse permitido que ele chegasse a esse ponto e sofresse por todos aqueles anos para poder dar valor à humildade e à dependência dEle! Portanto, quando estamos doentes e necessitados, devemos buscar a misericórdia de Deus na pessoa de Jesus, confessando os nossos pecados e pedindo a Sua libertação.
2) O pecado nos paralisa, pois nos prende às cadeias de Satanás. O fato de o Mestre o alertar a não mais pecar, significa que algo o havia impedido de viver uma vida normal e, se continuasse nesta prática, poderia lhe suceder coisa pior, como disse Jesus. Por exemplo: não conseguir a salvação; em outras palavras: morrer. O pecado nos impede de viver uma vida abençoada, traz doenças e enfermidades no corpo, na alma e no espírito, pois nos separa de Deus e nos leva à morte.
3) A fé anda junto com a ação. O apóstolo Tiago nos diz que a fé sem obras é morta. Supondo que o homem tivesse fé real em Deus e na cura, não podia alcançar a bênção porque não tinha ação. Por estar paralisado e impossibilitado de obter ajuda de algum lugar, não podia se mover em direção ao milagre. Assim, quando não colocamos nossa fé em prática, ou seja, quando não agimos de acordo com ela, não podemos ter a totalidade do que estamos buscando. Talvez, por se achar totalmente impotente e sem condições de se movimentar, até mesmo de se arrastar até as águas, é que o paralítico passou por esse sofrimento tantos anos. Se lembrarmos da mulher do fluxo de sangue que foi curada por Jesus, podemos ver uma diferença entre a sua maneira de pensar e a do homem. Ambos experimentavam uma grande impotência pela doença (ele, pela paralisia, e ela, pela extrema anemia que a atormentava há doze anos); entretanto, a mulher não se via ainda totalmente impotente para conseguir o que queria. Ela tentou com todas as suas forças, igualmente sem ajuda de ninguém, enfrentando da mesma forma a barreira da multidão, provavelmente se arrastando, mas colocando sua fé em ação. Na sua mente, se apenas tocasse nas vestes de Jesus ela seria curada. Faltou este tipo de atitude proativa no paralítico de Betesda. Ele poderia ter se arrastado se quisesse, todavia, a única resposta que deu a Jesus foi: “Não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada”. É certo que as barreiras eram terríveis para ele enfrentar, mas sua alma parecia não ter mais a determinação para colocar a fé do seu espírito em ação e se sentia dependente de alguém. De qualquer forma, Jesus se compadeceu dele e o curou.
4) Outra coisa que nos chama a atenção é a presença do anjo agitando as águas. Anjo, em hebraico, tem o significado de ‘mensageiro’, assim como é também uma designação freqüentemente usada para o profeta. Ainda que o versículo 4 não conste dos manuscritos antigos, alguma coisa acontecia naquele tanque de Betesda para que tantos enfermos buscassem a cura (vou explicar depois o que era); mesmo porque o versículo 7 consta de todos os antigos manuscritos, e o homem mencionou o fato de as águas serem agitadas, movidas. O que importa simbolicamente para nós é a palavra ‘anjo’, ‘mensageiro’. Assim, é um mensageiro do Senhor que agita as águas (a Palavra, o Espírito Santo) para que Sua unção desça e os necessitados alcancem a cura. O paralítico estava esperando um anjo que pudesse agitar as águas para que ele pudesse ser curado. É o que acontece com quem sabe que precisa de uma cura, mas não tem a certeza de que a palavra de Deus em sua própria boca tem poder para quebrar as barreiras espirituais e agir. Fica dependente de um servo do Senhor para receber uma bênção que é sua, espera que a fé de outro venha a realizar o milagre que está precisando. Espera que outros guerreiem por ele, ao invés de se dirigir à fonte do milagre, Jesus, a Palavra, a água da vida. Portanto, o ensinamento aqui é: não devemos esperar que outros façam um trabalho que cabe a nós fazer. Não devemos esperar que alguém nos conduza à verdade. O que precisamos fazer é deixar Jesus nos tocar e nos curar pela nossa fé, buscá-lO pela nossa própria vontade e iniciativa.
5) Jesus é senhor do sábado. Isso tem um significado muito profundo para nós. Pela lei de Moisés, os judeus não poderiam fazer nenhuma obra no sábado (Shabbat = descanso, cessação ou interrupção), pois guardar esse dia como um dia de descanso era sinal de respeito a Deus e cumprimento dos Seus mandamentos (Êx 20: 8-10). Entretanto, o que Deus queria dizer era para eles descansarem do trabalho secular que realizavam como fonte de sobrevivência, a fim de poderem estar livres para ter mais comunhão com Ele, para adorá-lO e esperar pela Sua ajuda. Dessa forma, uma bênção divina foi transformada em religiosidade humana que os impedia de alcançarem o verdadeiro entendimento de Deus, inclusive de realizar Sua obra, ou seja, fazer o bem ao próximo. Por isso, Jesus condenou tantas vezes essa prática tão rígida, mostrando a eles que ter compaixão do semelhante era permitido até no sábado, pois significava realizar a obra de Deus, não da carne, que era realizada egoisticamente nos outros seis dias da semana. Em outras palavras, quando Deus nos diz para guardar um dia da semana para Ele, seja sábado ou domingo, significa um descanso das coisas do mundo e um descanso nas coisas de Deus. O Sábado, o Descanso, tem igualmente um significado de descansarmos nEle naquilo que não podemos fazer. Quando Jesus diz que Ele era o “senhor do sábado” (Mt 12: 8; Mc 2: 28; Lc 6: 5; Lc 13: 15), queria dizer que Ele fizera as regras espirituais, como Deus que era, mas não estava preso a nenhuma regra humana que impedia Seu Espírito de agir. Como homem, Ele respeitava o Sábado, não se preocupando com as coisas da carne, porém, indo à sinagoga para adorar o Pai, realizar Sua obra e ensinar o povo. Como aprendizado para nós, fica a idéia de que Deus não quer religiosidade, mas a fé verdadeira de quem sabe descansar nEle e confiar na Sua direção.
6) Deus continua trabalhando, moldando Sua criação até hoje, através das nossas vidas. Em 1 Co 3: 9 Paulo fala: “Porque de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós”. O Senhor criou o mundo, mas o homem caiu em pecado, por isso Ele continua a trabalhar em nossa alma para restaurar a perfeição original que foi perdida. Ele nos usa para curar, libertar, ensinar e amar nossos semelhantes, por isso somos Seus cooperadores para reedificar os muros destruídos pela assolação do diabo. Nosso coração é a terra, a lavoura onde Suas sementes de vida são plantadas e precisam florescer para podermos “voltar ao Éden”.
7) A palavra de Deus nos sara de qualquer tipo de doença. No texto acima podemos ler: “uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse”. A palavra de Deus nos sara de todo e qualquer tipo de doença e problema; basta colocar nossa fé em ação.
Vamos falar um pouco do texto bíblico, em especial do v. 4, que não consta dos manuscritos originais, e também das palavras gregas e das diversas versões sobre o v. 2, que têm trazido um pouco de confusão na interpretação.
A versão ARA diz em Jo 5: 1-2: “Passadas estas coisas [a cura do filho de um oficial do rei na Galiléia], havia uma festa dos judeus, e Jesus subiu para Jerusalém. Ora, existe ali, junto à Porta das Ovelhas, um tanque, chamado em hebraico Betesda, o qual tem cinco pavilhões.”
Alguns manuscritos escrevem o nome de ‘Be(th)zatha’ ou ‘Betsaida’ (não confundir com Betsaida da Galiléia). Βηθζαθά (Beth-zatha = בית חדתא), é uma forma derivativa de Bezetha (Hebr.: בית זיתא), um bairro ao norte de Jerusalém.
A Concordância de Strong escreve a palavra grega para ‘tanque’ como ‘kolumbéthra’, κολυμβήθρα, Strong #2861, que significa não exatamente um tanque, mas uma piscina, onde pessoas podem mergulhar; lit: ‘um local de mergulho ou natação’.
A palavra grega para ‘das Ovelhas’ é ‘probatikos’, προβατικός, Strong #4262, que significa: relativo a ovelhas (probaton), (mercado) de ovelhas ou um portão através do qual eram conduzidas para Jerusalém (KJV com Strong).
E para a palavra Betesda, a Concordânia de Strong escreve Béthesda (‘Beth hasda’ ou ‘beth hased’), Βηθεσδά, Strong #964, de origem aramaica (בית חסד), e que significa: casa da bondade, casa da misericórdia ou casa da graça. A palavra hebraica Hesedh ou Chesedh (חסד) significa graça, misericórdia, benignidade, bondade, benevolência, amabilidade, beleza, favor, boa ação, pena.
No tempo de Neemias, a Porta das Ovelhas ou Porta do Gado no muro norte da cidade de Jerusalém, após o retorno dos exilados, servia de passagem para as ovelhas até o Segundo Templo. E a enciclopédia judaica realmente se refere a um portão de ovelhas apenas na época de Neemias, no muro norte da cidade de Jerusalém (Ne 3: 1, 32; Ne 12: 39). Provavelmente, foi destruído no período helenístico (em especial por Antíoco IV Epifânio), da mesma forma que os muros da cidade, por isso a expressão ‘Porta da Ovelhas’ descrita em Jo 5: 2 não foi exatamente escrita pelo apóstolo João e sim acrescentada mais tarde.
A Nova Bíblia Americana Edição Revisada (NABRE) escreve: “Ora, em Jerusalém, no [Portão] das Ovelhas, há um tanque chamado em hebraico Betesda, com cinco pórticos”. E comenta: “Não há um outro substantivo junto com ‘Ovelhas’. A palavra ‘Portão’ foi adicionada com base no fato de que deve ter havido um portão na parede nordeste da área do templo, onde os animais para sacrifício eram trazidos; cf. Ne 3: 1, 32; Ne 12: 39”.
Na KJV, na Bíblia King James Fiel 1611 e na Versão King James do século 21, está escrito: “Ora, havia em Jerusalém próximo ao mercado das ovelhas um tanque, que é chamado na língua hebraica Betesda, o qual tem cinco pórticos”.
Na Bíblia de Stuttgart Texto Grego Receptus, está escrito ‘curral’ e não ‘porta’: “Ora, em Jerusalém há, perto do curral das ovelhas, o tanque escolhido dos judeus, chamado Betesda, o qual tem cinco pórticos (‘stoas’)” [εστιν δε εν τοις ιεροσολυμοις επι τη προβατικη κολυμβηθρα η επιλεγομενη εβραιστι βηθεσδα πεντε στοας εχουσα].
Dependendo da versão bíblica (como você viu acima), o nome do local como sendo perto da ‘Porta das Ovelhas’, pode ser meramente uma referência à Porta das ovelhas do tempo de Neemias, que estava ao norte da cidade e era o local por onde as ovelhas entravam no templo. Mas na época de Jesus, ela não mais existia. Podemos pensar num local de mercado desses animais.
Embora o nome específico “Tanque de Betesda” não seja explicitamente mencionado nos escritos de Flávio Josefo, ele se refere à área onde o tanque estava localizado, perto do mercado de ovelhas em Jerusalém. Josefo disse que o bairro de Bezeta ficava ao norte da Fortaleza Antônia e mais tarde foi murado. Bezetha (hebraico: בית זיתא), segundo Josefo, significa ‘A Cidade Nova’ e era um subúrbio de Jerusalém durante o final do período do Segundo Templo. Localizava-se ao norte e noroeste do Templo, construído em frente à Fortaleza Antônia [Josefo, Guerra dos Judeus v.iv.§ 2]. Essa descrição se alinha com o local identificado para o Tanque de Betesda. Na época de Josefo, Bezeta foi construída numa colina mais elevada que a Fortaleza Antônia, do outro lado do vale parcialmente escavado propositadamente, com o objetivo de manter a segurança do novo bairro dos soldados romanos residentes na Fortaleza.
O bairro de Bezeta, ao norte do Templo – Maquete Holyland
A ‘Cidade Velha’ de Jerusalém no período do NT
Em escavações arqueológicas realizadas no século XIX, Conrad Schick descobriu um grande tanque situado na região mencionada por Flávio Josefo (Bezeta), e que ele identificou como o tanque de Betesda. Outras escavações arqueológicas em 1964 descobriram a segunda das duas grandes piscinas e a barragem entre elas, os restos das igrejas bizantinas e cruzadas, o Templo de Adriano para Asclépio ou Serápis e as pequenas piscinas de cura de um Asclepeion (antigos ‘hospitais’ dedicados a Asclépio). Descobriu-se que a igreja bizantina havia sido construída exatamente acima do templo de Adriano e continha as piscinas de cura.
Asclépio (em grego) ou Esculápio (em latim) era o deus da cura e do bem-estar. Serápis foi uma divindade na cultura helenístico-egípcia que unia os deuses egípcios Ápis (o deus da terra, que mantinha a força vital) e Osíris (o deus do mundo dos mortos). Seu nome inicial em egípcio era Aser-hapi ou Osíris-Ápis, e mais tarde foi chamado Serápis. Ele era geralmente considerado o deus do submundo, curandeiro e protetor dos aflitos, proporcionando asilo em seu templo. Era representado como um homem maduro, com barba longa e cabelos longos, com uma cesta na cabeça (a corbelha sagrada dos mistérios, símbolo da abundância) e segurando o bastão de Asclépio.
Não é verdade que essa piscina foi usada para lavar ovelhas, como afirma a lenda popular, mesmo porque uma das piscinas servia como abastecimento de água e ambas tinham uma grande profundidade (13 metros). Talvez, nós possamos imaginar que os seis tanques pequenos que vemos nas imagens de Betesda, do lado de fora das piscinas, fossem um lugar para lavar ovelhas, uma vez que aquele local também parecia ser um mercado de ovelhas, pela referência da KJV (‘mercado’) e do Texto Grego Receptus (‘curral’).
Imagens dos dois tanques de Betesda e os pequenos tanques do lado de fora
Alguns estudiosos acreditavam que este era um local pagão, mas o recente trabalho arqueológico no local (1964) sugere que ele não foi um local dedicado aos deuses romanos, egípcios e gregos (Esculápio, Serápis e Fortuna) até que os romanos reedificaram Jerusalém como Aelia Capitolina no século II DC no reinado de Adriano (r. 117-138 DC), quando um santuário pagão de cura se desenvolveu um pouco a leste da piscina de Betesda. Segundo algumas fontes, no século I AC, cavernas naturais a leste das duas piscinas foram transformadas em pequenos banhos, como parte de um Asclepeion.
Piscina Inferior de Betesda – achado arqueológico (vista leste)
O Tanque de Betesda mencionado em Jo 5: 2 tem uma piscina superior e inferior. Sua referência às cinco colunatas cobertas (algumas versões bíblicas escrevem ‘alpendres’) ou pórticos ou pavilhões ou ‘stoa’, deve-se ao fato de que em toda a sua volta ela era cercada por quatro pavilhões (quatro pavilhões com colunatas) e dividindo as duas piscinas, a superior e a inferior, havia um outro pórtico com colunatas. De acordo com a Mishná Judaica (a Lei oral escrita no século II DC), Betesda era de fato um tanque de purificação ritual judaico (um mikveh), onde a piscina superior era um ‘otzer’, isto é, um reservatório para coletar água da chuva. Por isso, essa piscina superior provia com água limpa a piscina inferior onde se realizavam os banhos rituais, antes que as pessoas entrassem no Templo. Segundo as prescrições da Mishná, a água para um miqveh deve ser “água viva”, ou seja, uma água limpa e, de preferência, de uma corrente natural ou água que se movimente (como a chuva), em contraste com a de um poço ou cisterna, que provém de um lençol freático, portanto, um tipo de água parada, estática, “não viva”.
Um mikvá em Besalu, Catalunha, Espanha (wikipedia.org – foto: Arie Darzi)
Note os degraus até a coleção de água
O Tanque de Betesda tinha aproximadamente 46 metros por 92 metros, representando um reservatório duplo, encontrado durante as escavações em 1888 e uma profundidade de 13 metros [wikipedia.org], no estilo mikveh mesmo, com degraus. Outras fontes dizem que a parede noroeste media 66 metros, a nordeste media 60 metros, portanto não era um retângulo perfeito. Não se sabe se o côvado usado naquele tempo para Betesda foi o côvado comum de 44,4 cm ou o côvado sacro de 51,8 cm (côvado de Ezequiel ou Mosaico), mas se fizéssemos uma média de 50 cm por exemplo, e sabendo que um mikveh tem mais ou menos 3 côvados de profundidade para a água (água suficiente para cobrir todo o corpo de uma pessoa de tamanho médio), teríamos 1,5 m de profundidade de água em Betesda e os outros 11,5 metros seriam distribuídos nos degraus. Outros mikveh eram usados pelas pessoas antes de entrar no templo, como por exemplo, os do sul do Templo, em frente às portas de Hulda.
Além das cisternas escavadas na rocha e rebocadas, uma característica comum em muitas casas, os habitantes de Jerusalém também utilizavam tanques públicos de armazenamento. Entre eles, estavam os Tanques de Betesda e o Tanque de Israel, ao norte do Monte do Templo, e o Tanque de Ezequias (ou ‘Tanque da Torre’), ao norte da Torre de Davi, do lado oeste da cidade, próximo ao palácio de Herodes. No sudeste e leste, havia o manancial de Giom e o poço de Siloé. Os tanques ao norte do Monte do Templo provavelmente também serviam ao Templo e sua água era usada para lavar o sangue do altar e do pátio, bem como para dar de beber ao gado usado em sacrifício. Havia outro poço de abastecimento da cidade, o Tanque da Serpente, ao sudoeste da cidade, mas não se sabe nada a respeito dele. Também não se sabe exatamente quando os tanques foram construídos, mas com certeza foram ampliados durante o Período Asmoneu devido à crescente necessidade de água em Jerusalém.
Na Imagem abaixo: o Tanque de Israel
O Tanque de Israel (confirme sua localização no mapa acima) era uma cisterna pública localizada no canto nordeste do Templo. Acredita-se que os romanos tenham erguido essa estrutura como um reservatório de água e uma proteção para a parede norte do Monte do Templo. Ele ficava ao sul do Tanque de Betesda e no lado ocidental do Vale do Cedrom. Caiu em desuso como reservatório em meados do século XIX, e por causa dos resíduos, foi reaproveitado como uma horta. Em 1934, a área foi preenchida e agora é reconhecida como Praça el-Ghazali. Este reservatório foi o maior de Jerusalém, e desempenhou um papel crucial no sistema de armazenamento de água da chuva da cidade durante séculos.
Nós vimos no início que a bíblia escreve no v. 4: “[esperando que se movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo tempo, agitando-a; e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse]”. Esse versículo não consta dos manuscritos originais.
Ulrich Von Wahlde, um estudioso do NT, sugeriu que a agitação da água pode ser explicada pelo movimento da água da parte superior para a piscina inferior através de um portão de eclusa (uma comporta), que poderia ser aberta entre as duas piscinas; assim, a água correria para a piscina do sul, vinda do suprimento de água da piscina mais alta ao norte.
Alguns intérpretes concluem que talvez esse verso seja uma nota explicativa adicionada posteriormente. Mas provavelmente ela descreve uma crença popular da época, independentemente das referências feitas a Esculápio. Mesmo porque no versículo está escrito: “e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse”, o que teoricamente invalidaria a misericórdia de Deus. Por que Ele enviaria Seu anjo de tempos em tempos para curar apenas um enfermo? Isso deveria gerar ansiedade em todos eles, ainda mais em pessoas doentes há tantos anos como esse homem.
O Tanque de Betesda era grande por causa do número de pessoas (Jo 5: 13). Assim, a água provavelmente se tornava muito suja e contaminada. Portanto, uma grande infusão de água limpa era introduzida na piscina através da comporta da piscina superior movendo a água do mikveh. Os peregrinos de Jerusalém afluíam para a piscina de Betesda e a piscina de Siloé para se purificarem nesses mikva’ot públicos e, às vezes, buscarem a cura.
Então, se a piscina em questão não era um centro de cura pagã, mas uma piscina de purificação judaica, aprendemos algo importante sobre as crenças do homem. Ele não estava buscando o poder de um deus pagão de cura, mas ele cria no poder miraculoso de Deus, não importa se pelo misticismo da sua mente ou da mente daquela geração ou por fé genuína do seu espírito. O fato é que ele buscava sua cura e cria que Deus poderia operar de maneira diferente do convencional, independente de regras, diferente da maneira que os religiosos estipulavam. Pelo que dá para perceber, esse era um pensamento coletivo, não apenas dele, pois os outros também acreditavam que o borbulhar das águas poderia favorecê-los (Jo 5: 7).
E se havia outros judeus ali para repreendê-lo e para perguntar quem o havia curado, é sinal de que eles todos eram judeus e aquele local era conhecido dos líderes como um local de purificação ritual. Eles também acreditavam em cura e estavam ali não para negar a cura, mas para julgá-lo por carregar seu leito no sábado (Jo 5: 9-10), assim como para acusar Jesus de curar no sábado (Jo 5: 16; 18). A cura em si e o poder de Deus de curar o homem não estavam em jogo, e sim o legalismo de acusar o homem de fazer o que não era permitido no sábado e de acusar Jesus por fazer isso no sábado e ainda se dizer Filho de Deus (Jo 5: 16-18).
Na cultura de Israel e sua simbologia, o ritual de purificação significava uma restauração de vida e da totalidade de uma pessoa, no corpo, na alma e no espírito. Com suas águas límpidas, o Mikvah era e ainda é para os judeus um poderoso símbolo de vida e renascimento. Por isso, por que acusar ou julgar atitude desse homem em tentar alcançar sua cura dessa maneira, na água que estava “viva” e que trazia o poder de Deus? Muitas pessoas usam a frase de Jesus (“Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior” – Jo 5: 14) como uma explicação de que o paralítico era um judeu desesperado e supersticioso que havia buscado a ajuda de um deus pagão e que Jesus o advertia contra a idolatria. Nesse caso, ele teria cometido o pecado de ir em busca de um socorro que lhe era proibido. Mas a arqueologia não confirmou ali um tanque de purificação (um mikveh), com muitos degraus, típico da religião judaica? E o que os legalistas estavam fazendo ali também para vigiar tudo? Num lugar pagão? Não faz sentido. Além disso, o pecado do homem a que Jesus se referia era estar ali buscando a cura ou o pecado que o havia paralizado há 38 anos?
Ensinos, curas e milagres (PDF)
Teachings, healings and miracles (PDF)
Autora: Pastora Tânia Cristina Giachetti
PIX: relacionamentosearaagape@gmail.com